Mães narcisistas: você precisa conhecer esse universo!

Rhayana Souza
10 min readJul 3, 2018

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Vamos falar sobre um tabu?

Não é sobre sexo anal. Também não é sobre o casamento gay e nem sobre o feminismo. Quero falar sobre um assunto que quase ninguém fala: a relação tóxica de pais e filhos.

Os temas citados vêm ganhando cada vez mais relevância mundo afora, mas a sociedade ainda precisa quebrar o tabu dos relacionamentos materno e paterno. Precisamos, principalmente, desconstruir a figura da mãe: se alguns filhos a consideram uma mulher sagrada, outros enxergam um lobo em pele de cordeiro.

Já adianto que esse não é um assunto fácil de lidar e muito menos de compreender, nem mesmo para mim, que estou aqui agora escrevendo este texto. Os valores familiares sempre foram muito fortes na minha criação, aprendi que a família é a base emocional de qualquer pessoa.

Posso dizer que fui criada pela família tradicional brasileira: pai de família, mãe dona de casa, casamento saudável com três filhas, família feliz, uma briguinha boba ali e outra aqui, mas era uma família unida e assim deveria permanecer.

Quando eu estava terminando a faculdade, meus pais se divorciaram e eu descobri que minha família não tinha nada de perfeita. Nem a minha e nem milhares de outras famílias por aí.

No início de 2018, fui apresentada a uma reportagem exibida no Fantástico e conheci o “submundo” das mães narcisistas, descobri o quanto um pai e uma mãe podem fazer mal a um filho. Nesse contexto, a família que deveria dar amor e suporte emocional é na verdade a origem de depressões, suicídios, mutilação, desequilíbrio mental, vícios em drogas e bebidas, crises de ansiedade, ataques de pânico e uma série de outros transtornos.

Lembrei então dos relatos de algumas amigas sobre a relação com os pais nos tempos de colégio e me dei conta do quanto aquilo era grave. Elas eram adolescentes, com mães ou pais narcisistas e, naquela época, eu não fazia ideia do que isso significava. E nem elas, que não entendiam o que haviam feito de errado para serem tratadas de forma tão abusiva.

Eu, a menina da “família perfeita”, ouvia o quanto a mãe ou o pai de fulana eram ruins com ela, achava triste, mas não ficava de fato sensibilizada com aquilo. Hoje, após conhecer o universo narcisista, eu sinto extrema empatia por essas filhas.

A minha intenção com esse texto é fazer com que você também sinta empatia pelas filhas e filhos de pais e mães narcisistas. Se você for uma vítima de narcisismo, espero que encontre algum conforto por aqui. ❤

Sobre mães e pais

O dicionário Aulete define mãe como “pessoa muito dedicada, generosa, benfazeja, ou que ampara quando é necessário”. Mas será mesmo que toda mãe é boa?

Para mim, mãe tem a função de amar e de ensinar ao filho, com toda sua paciência, tudo aquilo que ele precisa saber para ser feliz e seguir em frente sem ela, afinal de contas, mães não são eternas.

Uma mãe tem que saber escutar, tem que apoiar e incentivar, tem que cuidar e respeitar o filho. Uma mãe nunca abandona. E tudo que uma mãe tem que ser ou fazer, um pai também tem.

Nessa relação não existe função do homem e da mulher, ambos têm plena capacidade de educar um filho, não é à toa que casais gays têm o direito de adotar crianças. Um filho pode receber todo o amor do mundo de um pai e de uma mãe, de duas mães, de dois pais, de uma mãe solo ou de um pai solo.

Apesar disso, pai e mãe não são enxergados da mesma forma. Há poucos dias me deparei com a seguinte mensagem em uma rede social: “Deus é mãe, se fosse pai já tinha nos abandonado”. O abandono por parte do pai já é visto como uma prática comum no Brasil, não é raro encontrar publicações de mães solo pela rede. Acho que esse é até um dos motivos pelos quais as pessoas enxergam as mães como mulheres santas, guerreiras que criam seus filhos sozinhas.

E se o abandono paterno está se tornando banal, tabu mesmo é falar da relação da mãe com seus filhos, até porque sempre ouvimos que “mãe é sagrada”, não é mesmo? Bom, é o que muita gente diz por aí, mas deveria parar.

Mães narcisistas

Eu participo de um grupo no Facebook destinado a filhas e filhos de mães ou pais narcisistas. Essa comunidade já tem mais de 24 mil pessoas. Imagino que, em sua maioria, essas pessoas são vítimas de abusos psicológicos.

Lendo os depoimentos dos participantes, percebi que existem vários níveis de narcisistas. Tem aqueles que são realmente cruéis, com histórias que dá vontade de chorar ao ler, você pensa “não é possível que exista uma mãe ou um pai assim”.

Muita gente do grupo ainda não tem certeza absoluta se a mãe é narcisista e está procurando por uma resposta na comunidade. Isso porque as mães narcisistas também podem ser doces e amáveis na mesma medida em que são manipuladoras.

Tentando explicar o que são mães narcisistas, escrevi e apaguei o texto diversas vezes. Como eu disse, existem vários tipos de narcisistas e explicar esse universo é bastante complexo. Então, meu lado comunicóloga aflorou e eu pensei: “por que não criar personas de mães narcisistas?”. Criei quatro personas para você entender como essas mães são, veja a seguir.

Neuci — a exibicionista

Neuci é cruel sem perceber, pois acredita que todas as suas atitudes são para o bem da sua filha. Tudo que ela faz é por amor.

Ela enxerga a filha como um troféu, adora exibir a menina para as amigas. Neuci não aceita que sua filha tire nota baixa em Ciências, pois Neuci era a melhor aluna da sua turma nos tempos de escola, e por isso a filha também tem que ser. Mas Neuci não sabe apoiar e nem tem paciência para ensinar.

Quando a filha tira nota baixa, Neuci acaba com a autoestima da menina e “joga na cara” dela o quanto a mãe era boa naquela disciplina.

Quando a filha tira nota boa, não é pelo desempenho da menina, mas simplesmente porque ela é filha da Neuci, que diz para as amigas “minha filha aprendeu com a melhor”, mesmo não tendo a menor paciência pra ensinar a matéria à filha.

Neuci acredita que a filha tem que viver em função das necessidades da mãe, fazer tudo para agradá-la, mesmo que isso não agrade a menina. Ela sempre impõe sua vontade utilizando como argumento “sou sua mãe, faça o que eu mandar e não reclame”. O universo da filha de Neuci deve girar em torno do umbigo da mãe.

A filha de Neuci só queria ser ouvida, também gostaria que a mãe entendesse que ela tem necessidades próprias.

Laura — a vitimista

Laura culpa sua filha mais velha por tudo que acontece de errado na vida. Ela sempre teve ciúmes do marido com a filha, e quando nasceu o filho caçula, ele se tornou o protegido e a menina virou “a problemática” da família.

Laura não ensinou aos filhos que irmãos devem se amar. Ela ensinou ao menino que a irmã mais velha era má influência, ele cresceu com uma péssima percepção da irmã e hoje banca o machista pra cima da menina.

Laura traiu o marido diversas vezes, até que ele descobriu e se divorciou. Laura culpa a filha pela separação e não aceita que a menina se dê bem com o pai.

Sempre diz para a filha: “você não me ama, só seu irmão gosta de mim, vai lá ficar com seu papaizinho querido”.

Laura não faz ideia de como suas palavras machucam a filha, que só queria um colo de mãe, e não entende por que é tão odiada por quem deveria amá-la incondicionalmente.

Joaquina — a cruel

Joaquina humilha sua filha diariamente, faz da vida dela um inferno, adora dizer que ela nunca será nada na vida e a chama de “resto de aborto” sempre que possível.

Quando a filha reclama do tratamento que recebe, Joaquina enche a boca pra falar: “você deveria me agradecer por eu ter te dado à luz”.

E não é só amor que Joaquina regula, ela costuma colocar um bilhete em cima dos potes na geladeira falando para a “parasita” não consumir sua comida. Para Joaquina, sua filha é só um volume dentro de casa, é uma despesa. Joaquina nunca demonstrou amor pela filha.

A filha tem o psicológico tão abalado que não consegue sequer passar para a segunda fase de uma entrevista de emprego. A menina continua morando na casa da mãe, escutando as humilhações diárias e sonhando com o dia em que poderá sair dali.

Carmina — a violenta

Carmina sempre dava umas palmadas na filha quando ela era pequena, além de viver gritando com a menina, que cresceu e aprendeu a gritar mais alto do que a mãe.

Carmina não é violenta só com as palavras. Carmina uma vez estava tão nervosa que agarrou o braço da filha com as unhas e o apertou até tirar sangue. Depois, se recusou a levar a menina ao médico, dizendo que a dor no braço era frescura.

Esses dias elas estavam discutindo na hora do almoço e Carmina jogou a panela de óleo quente na direção da menina, que conseguiu desviar e machucou só um pedaço da mão. Mais tarde, Carmina se desculpou, disse que estava muito nervosa e falou: “mães também erram, minha filha, você precisa ter mais paciência comigo”.

A filha se tornou tão violenta quanto a mãe e, por isso, acaba sempre afastando as pessoas ao seu redor. Ela é mais um vítima de narcisismo que não consegue entender o relacionamento que tem com a mãe.

Abandono emocional

Esses são só alguns exemplos fictícios que criei com base nas histórias que encontrei no grupo e de pessoas que eu conheço. Os narcisistas têm características únicas, mas o ponto comum é que todos eles abalam profundamente o estado mental dos filhos, suas vítimas.

Se você acha que deve ser ruim para uma criança crescer sem pai, eu acredito que o abandono emocional seja muito pior. Uma criança sem pai sente falta de uma presença física que nunca teve, ela fica apenas imaginando e vendo a relação das outras crianças com o pai.

Agora imagine uma criança que tem pai ou mãe e não tem o menor apoio deles. Não há nada que preencha esse vazio. O vazio de não ter tido um colo de mãe.

Vítimas de mães narcisistas são sobreviventes, são pessoas fortes que tiveram que crescer e amadurecer na marra.

E essas vítimas estão por toda a parte. Seu primo, seu amigo, seu colega de trabalho. O Brasil está cheio de famílias tóxicas, mas ninguém percebe. Famílias que parecem perfeitas, mas só quem sofre o abuso sabe o que realmente acontece.

Aquela sua tia que é tão legal pode ser uma mãe narcisista. Aquele seu vizinho que está sempre à disposição para ajudar pode ser um pai narcisista. Os narcisistas podem ser ótimas pessoas, eles só não passam despercebidos pelas suas vítimas.

Quantas pessoas você conhece que falam abertamente sobre a péssima relação que tem com o pai ou com a mãe? Aposto que são poucas.

E eles não falam porque sabem que esse não é um assunto fácil de comentar, e também têm medo de serem julgados. O que os outros iriam pensar? “Que filho ingrato”.

Às vezes, essa vítima nem sabe que é uma vítima. Muitos filhos não têm noção do quão tóxica é essa relação. E isso acontece porque vemos nossos pais como figuras santificadas, aprendemos que devemos amar mãe e pai acima de tudo e de todos, pois eles nos deram a vida. Essa vítima é só uma pessoa frustrada com problemas com a mãe e que não consegue entender por que essa relação é assim.

Por isso é tão importante falar sobre esse tema.

Conclusão: nem toda mãe é mãe.

Você precisa ter consciência que não é porque sua mãe é maravilhosa que a mãe de todo mundo também é. Se você tem uma família feliz, dê valor e seja grato, pois não são todas iguais!

Duas coisas que você deve entender a partir de agora:

  • Mãe não merece ser amada porque pariu, ninguém pediu para nascer. Devemos amar nossa mãe e nosso pai porque eles nos dão carinho, amor, proteção e suporte. O amor é como uma planta: você rega e ela floresce. Se a mãe “parar de regar a planta”, o amor vai morrer aos poucos. E tá tudo bem. Amar alguém que nos faz mal é doentio.
  • Nem toda “mãe é mãe”. Cada ser humano é único. Existem monstros na nossa sociedade que deram à luz. Ninguém é obrigado a aguentar ofensas. Ninguém deve ouvir isso calado e se conformar sob a ideia de que “são seus pais e você deve respeitar”. Pais também devem respeitar os filhos.

Para finalizar, gostaria de reforçar o quão difícil é para uma vítima comentar sobre o assunto. Se por um acaso uma filha ou filho de mãe ou pai narcisista escolher você para desabafar, escute. Escute tudo e não julgue. Essa vítima não quer mais ser julgada, ela só quer um ombro para se apoiar. Ela só quer ser compreendida.

Pedi às participantes do grupo do Facebook para que elas compartilhassem no post as frases que sempre ouvem quando tentam desabafar com os outros. O post rendeu mais de 200 comentários com inúmeras frases, selecionei as mais frequentes para compartilhar aqui.

Veja a seguir o que NÃO dizer a uma pessoa que decidiu abrir o coração para você e fazer um desabafo:

Ah, mas ela é sua mãe.

Mãe sabe das coisas.

Mãe é assim mesmo.

Ela falou sem pensar.

Foi na hora da raiva.

Ela só estava nervosa.

Ela não fez por mal, é preocupação de mãe.

Ela só fez isso pensando no seu bem.

Tudo o que ela faz é por amor.

Aconteça o que for, ela é sua mãe.

Foi só uma briguinha de mãe e filha, vai passar.

Se ela fez isso é porque você deu motivo.

Mas ela te deu à luz, não seja ingrata.

Ela faz isso, mas te ama.

Ela te ama, só não sabe como demonstrar.

Ela é assim mesmo, sempre foi, você tem que ter paciência com ela.

Coração de mãe não se engana.

Não pense que a mãe de todos é igual à sua. Não foi só mais uma briguinha de mãe e filha e isso não vai passar. As marcas dessa relação tóxica ficarão registradas para sempre.

PS.: Não sou especialista em Transtorno de Personalidade Narcisista, até por isso evitei usar termos técnicos, de forma que qualquer pessoa leiga pudesse compreender o assunto. Se você se interessar pelo tema, recomendo que faça uma pesquisa no Google, acompanhe os conteúdos da @virginia.coser no Instagram e, claro, procure por ajuda especializada para esclarecer suas dúvidas! ;)

ATENÇÃO: Caso você seja uma vítima de pai ou mãe narcisista, tenha muito cuidado na hora de escolher seu terapeuta. A ideia de que “devemos amar nossos pais incondicionalmente” está tão enraizada na sociedade que é comum encontrar vítimas que pioram o estado mental após as sessões de terapia. De qualquer maneira, procure ajuda, pois isso faz toda a diferença.

E lembre-se: você não está sozinho(a) nessa luta!

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Rhayana Souza

Publicitária e tecnóloga em comunicação institucional, apaixonada por branding, publicidade e criação de conteúdo.